segunda-feira, 30 de maio de 2011

Resenha do show "Ame ou se mande", por Mauro Ferreira

Fonte: http://blognotasmusicais.blogspot.com/2011/04/jussara-silveira-e-amor-da-cabeca-aos.html

Não se assuste, pessoa, se eu lhe disser que Jussara Silveira é muito mais do que uma cantora boa. Projetada em 1996 com o disco que destacou sua regravação de Dama do Cassino (Caetano Veloso), Jussara Silveira é uma das grandes cantoras do Brasil, mas, por (falta de) sorte ou destino, essa mineira de alma e vivência baiana continua sendo ouvida por poucos no mesmo circuito indie de sua estreia fonográfica. Sorte dos poucos que foram conferir a apresentação do show Ame ou se Mande no Solar de Botafogo, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de 6 de abril de 2011. Base do disco que a cantora pretende lançar ainda em 2011, o show é primoroso. Dividindo a cena com o percussionista Marcelo Costa e com o tecladista Sacha Amback, Jussara reitera suas qualidades ao desfiar roteiro que encadeia com precisão músicas de autores como Arnaldo Antunes, Caetano Veloso, José Miguel Wisnik, Roberto Mendes e Zeca Baleiro, entre outros compositores. Já na abertura do show, feita com A Voz do Coração (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos), fica perceptível a afinação e emissão irretocáveis da voz límpida da cantora. Contudo, Jussara Silveira é mais do que uma voz que canta com o coração enquanto exibe uma técnica cerebral. Jussara é intérprete capaz de encarar músicas mais rebuscadas como Madre Deus, tema composto por Caetano Veloso e José Miguel Wisnik para a trilha sonora do balé Onqotô (2005), do Grupo Corpo. Ao mesmo tempo, ela é também a atenta pescadora de pérolas como Contato Imediato (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte). Lançada por Arnaldo Antunes em seu álbum Qualquer (2006), esta linda balada da lavra do trio Tribalistas é um hit em potencial à espera de quem - como Jussara - saiba realçar sua beleza melódica e singeleza poética. No roteiro do show Ame ou se Mande, Contato Imediato é conectada em tom interplanetário com Marcianita, sucesso do cantor Sérgio Murilo (1941 - 1992) em 1960 que Caetano Veloso tropicalizou em 1968 ao lado do grupo Os Mutantes. Marcianita permite que percussionista e tecladista injetem mais suingue em show que começa em tons e climas suaves. Batizado com versão do standard norte-americano Love or Leave me (Walter Donaldson e Gus Kahn, 1928), Ame ou se Mande é em essência um show de canções de amor ou que explicitam a procura dele, o amor, caso de Doce Esperança, parceria de Roberto Mendes com J. Velloso, lançada por Daniela Mercury em 1991 em seu primeiro disco solo e revivida por Jussara no tempo da delicadeza e da percussão quente de Marcelo Costa. As imagens da letra evocam signos da Bahia mítica imortalizada na obra de Dorival Caymmi (1914 - 2008) - reverenciado no bis com arrepiante versão a capella de Morena do Mar (em 1998, a cantora dedicou seu segundo disco ao cancioneiro de Caymmi) - e inspiram a cantora a se movimentar pelo palco em bailado elegante. Exemplo da habilidade da intérprete de evitar o óbvio, Doce Esperança é linkada de forma sagaz com Salve Linda Canção sem Esperança, de Luiz Melodia. Neste roteiro em que Jussara Silveira é amor da cabeça aos pés, cabem perfeitamente a canção Muito Romântico, do recorrente Caetano Veloso, e uma poesia de Fernando Pessoa (1988 - 1935), Tenho Dó das Estrelas, musicada por José Miguel Wisnik. Ainda dentro do universo poético português, a citação de Filosofias (Francisco Viana e João Linhares Barbosa) introduz a releitura de Babylon, canção de Zeca Baleiro, turbinada com efeitos pelos teclados de Sacha Amback para marcar o início de um bloco final mais pop e mais exteriorizado. É quando Jussara Silveira toca o rock Quero que Vá Tudo pro Inferno (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) - simulando estar tocando guitarra - e se encaminha para o gran finale com Dê um Rolê (Moraes Moreira e Galvão), tema que tinha significado especial na época da contracultura e que ainda faz todo sentido em tempos de emoções virtuais e sintéticas. Fecho de ouro para show primoroso, tão perfeito e sedutor em sua concepção (musical e poética) que nada importou o tropeço da cantora na letra de Babylon. Não, pessoa, não se assuste se eu disser que Jussara Silveira é cantora (muito!) boa.

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