domingo, 4 de abril de 2010

2002 - CD: Jussara

Release CD: Jussara (2002)


Jussara, terceiro disco de Jussara Silveira, é o que se pode chamar, literalmente, de um álbum novo. Depois de quatro anos sem gravar, a cantora estréia no selo baiano Maianga, firma sua primeira parceria com o produtor Chico Neves (Lenine, O Rappa, Skank, Paralamas do Sucesso) e dá voz a compositores emergentes ou relê obras pouco conhecidas de veteranos como Chico Buarque, Jorge Ben e Tom Zé. Na essência, porém, encontra-se a mesma afinada intérprete da canção popular, quer brasileira, angolana ou portuguesa.

Embora a triangulação afetiva Brasil-África-Portugal possa recender a uma complexidade antropológica, Jussara é, como sugere o título, um trabalho simples, sem rebusques e excessos. "É um disco claro, sem truques, sem virtuosismos", define a cantora baiana, nascida em Minas Gerais por acaso, que atribui ao produtor Chico Neves papel determinante na síntese das dez econômicas - e eloqüentes - faixas do álbum.

Fria claridade - fado eternizado pela portuguesa Amália Rodrigues, que Jussara Silveira canta há anos em seus shows - reverbera a aparente contradição que costura as faixas. Mas o paradoxo tem mais ramificações. "O disco difere do usual por não ter sido mixado como um trabalho de cantora. Os instrumentos, muitas vezes, têm peso", diz o co-produtor e instrumentista Maurício Pacheco, que assina as músicas Essa moça e Caravela. Enquanto a primeira fala de uma insegurança amorosa na levada de um reggae pouco tradicional, a segunda lança um nostálgico olhar de Portugal para a antiga colônia, como um fado brasileiro, desenhado nos bandolins de Armandinho.

Maurício Pacheco atribui parte da simplicidade do disco à homogeneidade dos arranjos, que "fazem uma cama" para a voz de Jussara. Violão, guitarra, baixo, percussão e bateria são os instrumentos que se revezam como base. Em algumas faixas, como Árvore axé, canção do baiano Lucas Santtana, o acompanhamento resume-se ao violão do autor, enquanto Chico Neves encarrega-se do mini-moog e dos teclados. A estrutura enxuta se repete em Menino meu, uma espécie de lullaby do paulista Arnaldo Antunes e dos baianos Luiz Brasil e César Mendes, que toca violão, junto ao vibrafone de Marcelo Lobato.

A batida de samba do violão de César Mendes foi decisiva na definição do ritmo e do arranjo de Desencontro, pérola de Chico Buarque saída do antológico disco Volume 3, de 1968. "Esta música me remete a uma das minhas primeiras audições da canção brasileira", contextualiza Jussara, que embalou o repertório com açúcar e com afeto. E foi com carinho que a cantora decidiu revisitar o Jorge Ben das antigas, em Porque é proibido pisar na grama, do disco Negro é lindo, de 1978.

Outro de seus preferidos, Tom Zé marca presença com A volta da Xanduzinha, um baião nordestino, com pegada nortista na guitarra, que remete ao carimbó. Para melhorar, a música, tirada do disco Correio da Estação do Brás, de 1971, homenageia a Xanduzinha do mestre Luiz Gonzaga. E o Nordeste segue sua trilha, chegando ao recôncavo baiano, com o samba-de-roda Rainha de lá, de Quito Ribeiro, também baiano. O peso percussivo dá ares de africanidade à faixa.
Mas para meter de uma vez o pé na África, o repertório se completa com Carapinha dura, do respeitado compositor angolano Teta Lando, enriquecida pela charmosa guitarra africana de Marcos Lobato. "A letra é uma lição de estima e de respeito às tradições, como se fizesse carinho nas gentes, no caos do mundo", destaca Jussara, que atribui ao selo Maianga a possibilidade de realizar o disco que planejou. "A Maianga confiou em mim e fico muito feliz em saber que a Bahia tem uma gravadora que se abre para segmentos diversos", ressalta.

Jussara foi mixado no Estúdio Nave por Chico Neves e Daniel Jobim, neto do saudoso maestro soberano, que toca piano em duas faixas. Com o aval da Maianga, o produtor Chico Neves pôde levar o disco para ser masterizado por Adam Ayan no Gateway Mastering, em Portland Maine, onde foram finalizados trabalhos de nomes como Frank Sinatra, B.B. King, Eric Clapton, Bruce Springsteen e Bee Gees. Assim, o álbum de Jussara Silveira estabelece mais uma combinação paradoxal: tudo é simples, mas o apuro técnico é extremamente refinado, como o gosto da cantora.

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